RELATOR: Ministro Marco Aurélio
EMENTA: PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO – RECEBIMENTO – DISTRIBUIÇÃO – APRECIAÇÃO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – PORTARIA – INSUBSISTÊNCIA. Cumpre observar o princípio da legalidade, o que se contém no artigo 397 do Código de Processo Penal Militar, não subsistindo Portaria de teor contrário.
RELATÓRIO: – O assessor Dr. ** prestou as seguintes informações:
O recorrente busca reformar acórdão do Superior Tribunal Militar assim ementado:
Mandado de Segurança. Impugnação de ato de magistrada da Justiça Militar da União, consubstanciado na Portaria nº 01, de 08/01/2009, fundado na qual teria se recusado a receber e autuar Procedimento Extrajudicial do MPM. Pedido de anulação da citada Portaria. Indeferimento. Ausência de direito líquido e certo. A elaboração de portaria para normatizar procedimentos na Auditoria insere-se na competência do Juiz Auditor. O direito à tutela jurisdicional é abstrato, isto é, não inclui o direito a uma decisão favorável, e deve estar devidamente fundado. Controvérsia assentada na consideração por parte do Impetrante de que o “Procedimento Extrajudicial”, um PIC, autuado na PJM/SP, tem natureza jurídico de “peça de informação” e como tal deveria ser apreciado pela magistrada a quo à luz do preceituado no art. 397 do CPPM. Pressuposto básico do Mandado de Segurança é a existência de direito incontroverso, não comportando dilação probatória, exigindo prova pré-constituída apresentada na Inicial, devendo o direito surgir inquestionável, o que não ocorreu, uma vez que, na alusão às regras estabelecidas em duas normas – CPPM, art. 397, e Resolução nº 51/CSMPM, não é possível identificar direito cristalino e incontroverso a amparar a pretensão do Requerente, porquanto tais dispositivos não são expressos, no sentido de dar condições de sua aplicação ao Impetrante. Afastada a discussão e decisão, no contexto da ação mandamental, sobre o tema relacionado à legitimidade da atuação investigatória do MPM, tendo em vista que a matéria se encontra sub judice no e. STF. Indeferida a segurança, por falta de amparo legal. Decisão majoritária.
Sustenta equívoco no acórdão recorrido, porquanto assentada a validade da Portaria nº 001/2009, segundo a qual não são passíveis de distribuição os procedimentos de investigação criminal e as sindicâncias, ante a ausência de amparo legal, ressalvada denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar, na forma do artigo 28 do Código de Processo Penal Militar. Segundo narra, o mandado de segurança foi impetrado com a finalidade de assegurar que a autoridade judiciária competente apreciasse o Procedimento Investigatório Criminal nº **, cujo seguimento foi obstado por força da aplicação do citado ato normativo.
Argui a ilegalidade da Portaria, a ofender, consoante aduz, direito líquido e certo no tocante à observância do artigo 397 do Código de Processo Penal Militar, a versar a legitimidade do Promotor de Justiça para requerer o arquivamento do inquérito ou das peças de informação. Menciona, ainda, a Resolução nº 51 do Ministério Público Militar, no que consagrada a regra a revelar que a promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos termos do aludido dispositivo legal, ou encaminhada à Câmara de Coordenação e Revisão, para deliberação. Diz da negativa de prestação jurisdicional concretizada em ato infralegal.
Destaca que se dá o nome de peças de informação a todo e qualquer conjunto indiciário resultante das atividades desenvolvidas fora do inquérito policial, de modo a incluir, no conceito, os procedimentos investigatórios derivados de sindicâncias e apurações sumárias realizadas nos quartéis, por determinação de comandantes.
Enfatiza que, ao afastar o uso de outros instrumentos investigativos, senão para fins de oferecimento de denúncia, a Justiça Militar promove desrespeito à ordem jurídica vigente, limitando as demandas passíveis de análise pelo Poder Judiciário. Ressalta que as peças informativas podem rotular investigações e diligências diversas, na amplitude das provas que representam dados a respeito de delitos, não se admitindo a recusa em recebê-las, quando diante de manifestação fundamentada.
Salienta que, na atualidade, o inquérito policial militar não ocupa primazia na apuração de delitos. Alude à existência de diversos mecanismos apuratórios. Assinala que a restrição versada na Portaria atacada impõe obstáculos ao Ministério Público e, como consequência, a toda a sociedade.
A Procuradoria Geral da República opina pelo provimento do recurso, porquanto ilegal a norma impugnada. Afirma que o arquivamento de peças informativas pode se dar no âmbito da própria instituição ou a partir de requerimento dirigido à autoridade judiciária. Evoca o artigo 15 da Resolução nº 12/2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, a disciplinar a instauração e a tramitação do procedimento investigatório criminal. Aponta, alfim, a inobservância aos artigos 397 do Código de Processo Penal Militar e 28 do Código de Processo Penal.
É o relatório.
VOTO: – O recurso veio a ser interposto em 27 de outubro de 2009, data anterior à publicação do acórdão, em 29 seguinte. O subscritor da peça encontra-se legalmente habilitado. Conheço.
Colho das razões recursais que o mandado de segurança tem por objetivo impugnar ato da Juíza Auditora Distribuidora da 2ª Circunscrição Judiciária Militar, a qual, com fundamento na Portaria nº 001/2009, deixou de receber, distribuir e apreciar requerimento de arquivamento do Procedimento Investigatório Criminal nº **, instaurado na Procuradoria da Justiça Militar de São Paulo, em decorrência de provocação do Chefe do Estado-Maior da 2ª Região.
O recorrente aponta violação ao artigo 397 do Código de Processo Penal Militar, a versar a possibilidade de submissão da decisão de arquivamento ao crivo do Poder Judiciário. Eis o teor do dispositivo legal alegadamente transgredido:
Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se este concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dele discordar, remeterá os autos ao procurador-geral.
1º Se o procurador-geral entender que há elementos para a ação penal, designará outro procurador, a fim de promovê-la; em caso contrário, mandará arquivar o processo.
2º A mesma designação poderá fazer, avocando o processo, sempre que tiver conhecimento de que, existindo em determinado caso elementos para a ação penal, esta não foi promovida.
Procede a articulação. Não é preciso grande esforço para que se conclua no sentido da ilegalidade do ato impugnado, porquanto respaldado em Portaria elaborada em afronta ao preceito transcrito. Há evidente conflito entre normas de diferente hierarquia, a revelar necessária a observância do Direito instrumental militar.
Descabe discutir a natureza do procedimento administrativo que se pretendia ver apreciado, porquanto, a despeito da denominação utilizada, fez-se composto por peças de informação, circunstância suficiente para atrair a observância do artigo 397 do Código de Processo Penal Militar, sem campo para avaliações quanto ao rito previsto. A par desse aspecto, o artigo 28 do citado diploma legal alude expressamente à possibilidade de dispensa do inquérito quando o fato e a autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais.
Cabia à Juíza Auditora a adoção de duas possíveis condutas: anuir com o arquivamento proposto ou, discordando da fundamentação apresentada, remeter o processo ao Procurador-Geral. A recusa em dar andamento ao pleito de trancamento consagra inaceitável abandono do controle jurisdicional a ser exercido no tocante ao princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Não se pode admitir que argumentos pragmáticos, como aqueles ligados ao volume de trabalho da Justiça Militar, afastem o devido processo legal.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para declarar a ilegalidade da Portaria nº 001/2009 e determinar a distribuição do Procedimento Extrajudicial nº **, respeitado o rito consagrado no Código de Processo Penal Militar.
*acordão publicado no Dje de 17.9.2015
**nomes e números suprimidos pelo Informativo
Fonte: Supremo Tribunal Federal (STF).